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A hora de discutir a tributação sobre grandes grupos

Abr 22, 2024

Por Luis Nassif, no Jornal GGN                                                                                          

 

Na reunião do G20, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad insistiu no tema da tributação dos super-ricos como maneira de financiar as políticas de inclusão. O Instituto Roosevelt tem tratado insistentemente este tema.

No novo projeto do GGN, o Brasilianas – para discutir grandes temas nacionais – coloquei alguns textos do Roosevelt sobre o tema (clique aqui). O projeto ainda está em fase experimental, mas acadêmicos e pensadores já podem se cadastrar.

É curiosa e profundamente emburrecedora a discussão midiática sobre o orçamento público.

Tome-se o artigo “Novo regime fiscal concebido pelo governo Lula teve vida breve e infame”, de Luis Eduardo de Assis, no Estadão de hoje.

Infame = quem pratica atos considerados vis, abjetos e moralmente repreensíveis.

Todo o foco do artigo é sobre o “pendor gastador do PT” e sobre as emendas parlamentares.

A lógica da crítica é arrasadoramente simplificante. Não a chamaria de infame, mas de desmoralizante para o chamado pensamento de mercado.

“Há fé inquebrantável em um onírico círculo virtuoso dos gastos: o governo adianta recursos, diretamente ou através de obras e serviços, que estimularão em um primeiro momento o crescimento da economia, o que aumenta a geração de impostos, que servirão lá adiante para fechar o buraco que o gasto inicial provocou. A ideia é bonitinha, mas tem um defeito: não é assim que funciona (se fosse, não existiriam países pobres no mundo)”.

Vamos ver como é que funciona a economia, apud Assis.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância) retém análises de medicamentos com potencial de faturamento de R$ 17 bilhões/ano. Razão? Corpo de funcionários insuficiente, porque desde 2013 não tem concursos.

Seria “infame” de minha parte solicitar a Assis que analisasse a relação custo x benefício da “economia” proporcionada pela falta de concursos na Anvisa?

É apenas uma das malandragens da discussão em torno de slogans, tratá-los genericamente, como se todos os gastos fossem iguais.

Por exemplo, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2023, a educação básica e superior receberam R$ 130,4 bilhões, 10,4% do orçamento federal. Já o orçamento do Ministério da Defesa foi de R$ 124,4 bilhões de “despesas discricionárias”, que podem ser utilizadas livremente. Se incluir as despesas obrigatórias – como salários e aposentadorias – o valor eleva-se substancialmente.

No caso da educação, a rede pública atende a 47,4 milhões de estudantes. Em 2023, o orçamento total para as universidades federais foi de R$ 32,44 bilhões e para os institutos foi de R$ 8,4 bilhões, as universidades atendendo a 1,2 milhão de alunos e os instituto atendendo 500 mil.

Qual o ganho de eficiência da economia com o atendimentos a esses alunos, sua formação, sua contribuição para pesquisas, inovação, para o atendimento das demandas do setor privado? Na outra ponta, o que ganha o país com o gastos com as Forças Armadas? Grama cortada nos quartéis?

Já o Poder Judiciário tem um custo de R$ 116 bilhões, tornando-o o mais caro do mundo entre 53 países.

Mas todos esses gastos – os essenciais e os exorbitantes – são incluídos genericamente como “gastança” por esse pensamento profundamente emburrecedor, sem nenhuma capacidade de analisar externalidades. E por que isso? Porque na hora dos cortes, eles recairão inevitavelmente sobre as despesas que atingem os mais pobres, educação, saúde, programas sociais. E se quiser tratar essas despesas do ponto de vista estritamente utilitarista, são elas que garantem o crescimento do país, a melhoria da mão de obra, do mercado de trabalho, liberam o potencial das populações mais pobres.

E nem se falou dos problemas fiscais, da arrecadação fiscal, do modelo tributário – porque aí Assis poderia ficar mal com os seus.

Segundo o IBGE, as pequenas empresas destinam, em média, 32,6% de seu faturamento para pagamento de tributos. Enquanto as grandes empresas direcionam apenas 23,9%.

Mais: em em 2021, as famílias brasileiras destinaram, em média, 31,6% da sua renda ao pagamento de impostos. Desse total, 62,3% foram destinados ao pagamento de impostos sobre o consumo, que incidem principalmente sobre a renda do trabalho. Já os impostos sobre a renda e o patrimônio, que incidem mais sobre o capital, representaram apenas 37,7% do total de impostos pagos pelas famílias.

Um relatório da Oxfam Brasil de 2019 apontou que as 26 maiores empresas do país pagaram, em média, apenas 3% do seu lucro em impostos, enquanto os 50% mais pobres da população brasileira pagaram 35% de sua renda em impostos indiretos.

E se for analisar os rendimentos dos CEOs das grandes empresas, como ficaria? Segundo estudo da consultoria Korn Ferry, de 2022, a média anual de remuneração total dos CEOs das grandes empresas foi de R$ 15,6 milhões. Pelo ranking da revista Forbes, os 10 CEOs mais bem pagos receberam, em média, R$ 52,4 milhões. Quanto desse dinheiro reverteu em investimentos para o país?

Os impactos da política fiscal

Aí seria interessante Luis Eduardo Assis navegar por outros mares, tais como o Instituto Roosevelt.

Assis é do time que diz que a redução da tributação dos grandes públicos resulta em mais investimentos para o país. Não vou chamar a conclusão de “infame”, apenas de mal informada.

O Instituto Roosevelt começa lembrando que “quatro décadas de escolhas políticas que privilegiaram gigantes empresariais cada vez maiores, a nossa economia é agora governada por um pequeno grupo de empresas dominantes e superdimensionadas”.

“O poder acumulado resultou em mercados com poucos controles, em instrumentos que impeçam o aumento de preços dessas empresas, ao mesmo tempo que deprimem os salários e os bons empregos, diminuem a produtividade e a inovação, fragilizam as cadeias de abastecimento e exacerbam a injustiça social”.

Estudos de Sandy Brian Hager e Joseph Baines compararam a participação no lucro total dos 10% das maiores empresas americanas. Depois dos impostos, a participação total aumentou 2,32 pontos em relação à relação antes dos impostos.

A legitimação dessas regalias fiscais é que o dinheiro liberado seria aplicado no aumento da capacidade de produção e do emprego. As pesquisas mostraram o oposto.

“Em vez de alimentar o investimento produtivo, as poupanças fiscais das grandes empresas são utilizadas principalmente para pagar dividendos e recomprar as suas próprias ações”.

Já os economistas Niko Lusiani e Susan Holmerg constataram:

“As empresas globais concebem estruturas empresariais extremamente complexas, com uma ampla rede multijurisdicional de subsidiárias, reduzindo os impostos pagos através da contabilização de lucros em paraísos fiscais offshore e até mesmo onshore, como o Luxemburgo ou Singapura, e contratando consultores fiscais dispendiosos para intimidar os auditores fiscais inquiridores”.

Mencionam estudo recente que constatou que as 10% das empresas do topo pagam 13% menos em impostos do que as 90% das empresas da base. Isto contrasta com as taxas de imposto efetivas quase iguais na década de 1970 entre grandes e pequenas empresas.

E concluem com conceitos que devem provocar urticárias no nosso Luis Eduardo Assis:

“Mas, juntamente com a aplicação robusta da lei antitruste, é altura de reimaginar o papel proativo que a política fiscal pode ter para permitir a concorrência leal, enfrentar mercados concentrados e, por sua vez, impulsionar a produtividade e a inovação, baixar os preços e fomentar mais e melhores empregos”.

Assis trata o modelo atual como fruto da racionalidade econômica. E só é racional na crítica à renúncia fiscal, de R$ 499,3 bilhões em 2023. Aliás, um dos beneficiários é justamente o setor que publica o jornal onde ele prescreve suas receitas.

Cadastre-se no Brasilianas e agregue outros trabalhos relevantes sobre o tema.

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