Foto: Ricardo Stuckert
Com sua lucidez habitual, o ex-ministro José Dirceu finalizou um artigo recente defendendo que está na hora de Lula ir ao encontro do povo. Análise, para variar, precisa.
Mover esta peça no xadrez político teria grande impacto não só na luta pela afirmação da democracia, mas também para dar ao presidente palanques privilegiados junto ao povo para falar das conquistas de seu governo e compará-las com o período trevoso anterior.
Sem falar da repercussão midiática e nas redes sociais que a volta de Lula aos comícios provocaria. Seu talento para falar para as multidões supriria a principal lacuna de sua gestão atual, que é ter deixado de lado até agora a disputa por corações e mentes com o fascismo.
O cenário de hoje é bem diferente do Lula 1 e Lula 2. Temos uma extrema-direita forte e atuante, com expressiva representação parlamentar e intensa atuação nas redes sociais. Seus valores são compartilhados por boa parte da sociedade e os ataques de Elon Musk às instituições democráticas brasileira desnudam uma ofensiva internacional da extrema-direita. Também está em curso uma manipulação religiosa de proporções jamais vistas.
Muitos dizem que Lula é a última linha de defesa contra o fascismo.
Pois bem, se nós temos um Pelé no nosso time, por que não aproveitá-lo nos jogos em grandes estádios, com a presença da massa de torcedores e parar de escalá-lo apenas para as partidas de menor expressão, assistidas por pouca gente ?
Argumentos contrários à volta de Lula aos comícios não faltam. Eles vão da questão da segurança do presidente, alegando o potencial de conflitos com os inimigos da democracia, à visão de que Lula correria risco político se mergulhasse em uma espécie de antecipação do calendário eleitoral.
Há ainda os que simplesmente consideram que o papel do governante é apenas governar, deixando o confronto político e o contato mais amiúde com o povo para as eleições.
Ora, a tese do risco de violência se assemelha à que levou os clássicos do futebol brasileiro em muitos estados a serem disputados com torcida única, matando o espetáculo proporcionado pelas duas torcidas. Ou seja, em vez de o poder público tomar as providências necessárias para proporcionar segurança às pessoas, o opção é tirar o povo dos estádios.
Sabemos da complexidade que envolve a segurança de um presidente da República, mas, além de aparato institucional reforçado a que tem direito, Lula contaria, como já ocorreu, com sucesso, em diversas oportunidades, com o apoio da própria militância, para protegê-lo.
A respeito da possibilidade real de enfrentamento físico da militância do campo popular com provocadores bolsonaristas, há meios de preveni-los e evitá-los, mas, se isso não for possível, lembro que a luta histórica contra o fascismo nunca foi fácil.
Em relação a ser desaconselhável politicamente para Lula, neste momento, adotar uma agenda de manifestações, lembro que as últimas pesquisas revelam o quão insuficiente tem sido para o governo, em termos de ganhos de popularidade, empilhar realizações, mas ignorar o embate político.
Também é urgente disputar nas ruas as narrativas com a mídia hegemônica, em claro movimento de reaproximação com a extrema-direita.
É importante lembrar que uma guinada como essa não seria novidade para Lula. No auge da crise do mensalão, Lula deixou o dia-a-dia de Brasília sob os cuidados de sua então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e partiu para um longo périplo pelos estados, com comício praticamente todos os dias, falando das realizações de seu governo. Resultado: virou o jogo e foi reeleito em 2006.
A tradição de fazer história nas ruas é da esquerda. As páginas mais importantes de lutas e conquistas do povo brasileiro foram escritas em praça pública.
Há algumas semanas, li uma declaração do deputado Rui Falcão, ex-presidente do PT, que deveria servir como reflexão: "Vivemos no Brasil uma estranha polarização, em que um lado está mobilizado e outro está em casa."
Ao invés de ficar contando quantos descerebrados foram à Avenida Paulista ou à Copacabana, que tal retomar a iniciativa política?