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91 anos de Samora Machel, o libertador de Moçambique

Out 01, 2024

Por Estevam Silva, no Ópera Mundi                                                                                                                         

 

Moçambique celebrou, no último fim de semana, os 91 anos do nascimento do líder revolucionário Samora Machel. Figura central da resistência anticolonial africana, ele foi um dos líderes da Frente de Libertação de Moçambique e conduziu a Guerra de Independência contra Portugal.

Após a conquista da emancipação, Machel se tornou o primeiro presidente moçambicano e promoveu reformas econômicas e sociais de inspiração socialista. Boa parte dessas reformas seriam interrompidas após sua morte precoce em uma suspeita queda de avião — evento que aguarda uma investigação independente até os dias de hoje.

Samora Machel nasceu em 29 de setembro de 1933, em Chilembene, na província moçambicana de Gaza. Ele era filho de agricultores e neto de um guerreiro do séquito de Ngungunhane — o último imperador do reino africano de Gaza. Machel recebeu educação básica em uma escola de missionários católicos. Aos 18 anos, ele começou a trabalhar como auxiliar no Hospital Miguel Bombarda, em Maputo. Em 1952, ingressou no curso de enfermagem. Já graduado, passou a atuar como enfermeiro na Ilha da Inhaca, em 1956 — experiência que lhe propiciou contato com a precariedade dos serviços ofertados à população moçambicana.

Foi na década de 1950 que o sentimento anticolonial de Machel começou a aflorar, ao observar os privilégios dos colonizadores portugueses e a exploração brutal à qual o povo moçambicano estava submetido. O jovem testemunhou uma série de atrocidades e injustiças cometidas contra o seu povo — incluindo a desapropriação das terras das comunidades nativas de Limpopo, que foram repassadas para os colonos europeus. A morte de seu irmão em um acidente de trabalho em uma mina agravou ainda mais sua revolta contra o sistema colonial.

Machel passou a estudar o marxismo, o socialismo, os movimentos revolucionários e o recente processo de independência de Gana, liderado por Kwame Nkrumah. Ele iniciou sua militância política no próprio hospital onde trabalhava, organizando um protesto contra a discriminação racial — denunciando o fato de que enfermeiros negros recebiam menos do que os brancos, mesmo exercendo funções e cargas horárias idênticas. Por conta disso, ele passou a ser vigiado pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) — a polícia política portuguesa.

No início dos anos 60, Machel conheceu Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) — a maior organização ativa na luta contra o domínio colonial português. Ele decidiu se unir ao movimento independentista, então sediado na Tanzânia. Após passar pela Suazilândia e pela África do Sul, Machel travou contato com Joe Slovo, líder do Partido Comunista sul-africano, que lhe ofereceu uma carona em um avião fretado transportando membros do Congresso Nacional Africano rumo a Dar es Salaam. Na Tanzânia, o jovem se ofereceu como voluntário para o serviço militar da FRELIMO, sendo enviado para o treinamento de guerrilha na Argélia.

Retornando à Tanzânia, Machel assumiu o posto de comandante e passou a chefiar um campo de treinamento em Kongwa, formando soldados para atuar na Guerra de Independência contra Portugal. O conflito armado teve início em setembro de 1964, após um ataque dos guerrilheiros moçambicanos a um posto administrativo português na província de Cabo Delgado.

Dois anos depois, após o assassinato de Filipe Samuel Magaia, Machel assumiria o posto de chefe do Departamento de Defesa da FRELIMO, cargo máximo na hierarquia do exército revolucionário. Tornou-se, assim, o responsável por conceber a estratégia militar utilizada pelas forças moçambicanas. Foi incumbido ainda de neutralizar as dissidências internas e de esmagar o motim liderado por Mateus Gwengere na província do Tete, que ameaçava fragmentar a luta independentista.

Em 1967, Machel criou o Destacamento Feminino da FRELIMO, convocando as mulheres moçambicanas para participarem da luta de libertação. Além do serviço militar, o destacamento conduziu um importante trabalho de educação política junto às comunidades rurais, conscientizando a população sobre os objetivos do programa socialista da FRELIMO.

Em 1969, Machel se casou com Josina Muthemba, uma das mais destacadas guerrilheiras do Destacamento Feminino. Ela assumiu a chefia da Seção de Assuntos Sociais da FRELIMO, responsável por prestar diversos serviços à população moçambicana. Josina faleceria em 1971, vitimada por um câncer. Machel se casaria posteriormente com Graça Simbine.

Em fevereiro de 1969, o presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, foi assassinado. Ele morreu durante a explosão de uma bomba, plantada pela polícia secreta portuguesa em Dar es Salaam, em uma ação orquestrada para eliminar os opositores do regime colonial. A morte de Mondlane representou um sério revés para a FRELIMO, desfalcada de seu mais importante articulador político e diplomático. A organização viu-se ainda mergulhada em uma disputa interna entre os dirigentes, com o pastor Uria Simango opondo-se à frente liderada por Machel. Em maio de 1970, o Comitê Central da FRELIMO expulsaria Simango e elegeria Machel como novo presidente.

Samora Machel se destacaria como um líder político habilidoso e como um grande estrategista militar. Sob seu comando, as forças moçambicanas conquistaram quase um terço do território do país. Nas áreas libertadas do domínio português, a FRELIMO construía centros de saúde, escolas, creches, criava benefícios sociais e serviços públicos. Tais ações fortaleceram o apoio popular à causa independentista e alimentaram as adesões voluntárias às tropas da FRELIMO. Por quase uma década, os combatentes moçambicanos impuseram notável resistência às investidas das Forças Armadas de Portugal — mesmo em desvantagem numérica e com recursos muito mais limitados.

Em 1970, o novo comandante do exército português em Moçambique, o general Kaúlza de Arriaga, gabou-se da promessa de que iria eliminar a FRELIMO em questão de meses. Kaúlza lançaria a maior ofensiva da história das guerras coloniais de Portugal — a Operação Nó Górdio, que mobilizou mais de 70.000 soldados e despejou 15.000 toneladas de bombas sobre Moçambique. Machel, entretanto, conseguiu neutralizar a operação, realocando as forças da FRELIMO na província de Tete, Niassa e Cabo Delgado.

Mais do que isso: ele concebeu um plano astuto para forçar as tropas portuguesas a abrirem caminho para o avanço dos guerrilheiros, blefando um ataque a uma enorme barragem que estava sendo construída em Cahora Bassa. Acreditando que os moçambicanos atacariam a usina, o comando português realocou suas tropas, possibilitando que os guerrilheiros avançassem sobre as províncias de Manica e Sofala.

Em abril de 1974, eclodiu em Portugal a Revolução dos Cravos, liderada por segmentos progressistas das Forças Armadas Portuguesas. O movimento derrubou o governo de Marcello Caetano, sucessor de Salazar, encerrando a ditadura do Estado Novo e pavimentando o caminho para o fim da guerra colonial. Favorável à autonomia das antigas colônias, o novo gabinete português assinou o Acordo de Lusaka com a FRELIMO, criando um governo de transição. Em 25 de junho de 1975, a independência de Moçambique foi proclamada e Samora Machel assumiu o cargo de presidente da república.

A gestão de Machel foi marcada por grandes desafios e importantes conquistas. Em um contexto pós-colonial, com o país devastado após anos de uma violenta guerra de libertação, o governo revolucionário implementou um ambicioso programa de reconstrução e desenvolvimento calcado em bases socialistas. Machel universalizou os sistemas de saúde e educação e expandiu a rede de serviços básicos.

Para combater a concentração fundiária, iniciou um abrangente programa de reforma agrária e de coletivização das terras, instituindo fazendas coletivas, cooperativas agrícolas e aldeias comunais, seguindo os moldes dos kolkhozes e sovkhozes soviéticos. Fundou também a Administração do Parque Imobiliário do Estado, órgão responsável por gerir o patrimônio imobiliário nacional, garantindo o direito à moradia para todos.

Machel nacionalizou os bancos, estatizou setores estratégicos da economia e buscou fortalecer o controle estatal sobre os recursos nacionais. Ele substituiu o escudo português por uma nova moeda (o metical) e criou programas de fomento à industrialização, aumento da produtividade e diversificação da produção agrícola, visando reduzir a dependência econômica de Moçambique.

Seu governo também criou as controladorias fiscais e os mecanismos de combate à corrupção. No campo da política externa, Machel buscou se aproximar dos países do bloco socialista — principalmente Cuba e União Soviética — e aprofundar os laços entre Moçambique e as demais nações africanas, além de dar apoio a outros movimentos independentistas do continente.

O governo de Samora Machel encontrou forte resistência dos antigos colonos portugueses, das elites moçambicanas e das potências ocidentais, sobretudo dos Estados Unidos. Também enfrentou a oposição das nações africanas dirigidas por regimes racistas de minorias brancas, como a África do Sul durante o apartheid e a Rodésia sob a gestão de Ian Smith. No plano interno, a principal oposição ao governo de Machel era organizada pela Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), um movimento anticomunista e reacionário, fundado em 1975 por setores da burguesia moçambicana e por ex-colonos brancos da Rodésia.

Financiada pela África do Sul e pela Rodésia e apoiada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan e pelo governo britânico de Margaret Thatcher, a RENAMO tornou-se gradualmente mais virulenta em sua oposição, até descambar em uma campanha aberta pela derrubada de Machel, dando início à Guerra Civil Moçambicana. O conflito se estendeu por 16 anos e resultou na morte de um milhão de pessoas. A instabilidade política impediu a concretização de muitas reformas sociais e econômicas idealizadas pelo governo revolucionário.

Várias das medidas tomadas nos primeiros anos da independência seriam revertidas após a morte de Samora Machel. O líder moçambicano faleceu em 19 de outubro de 1986, vitimado pela queda de seu avião. A aeronave caiu nas colinas de Mbuzini, na África do Sul. Machel voava a bordo de um Tupolev 134A que fazia a rota entre Zâmbia e Moçambique, com 33 passageiros — nove dos quais sobreviveram.

Durante a investigação, descobriu-se que o avião teria sido desviado de sua rota pelo sinal de uma baliza de VOR (Very High Frequency Omnidirectional Range, um equipamento eletrônico usado em navegação aérea), emitida na mesma frequência do aeroporto de Maputo, oportunamente atingido por um blecaute na noite do acidente. Esse fato levou a especulações sobre a possível participação do governo da África do Sul em um atentado. Moçambique e União Soviética imediatamente exigiram uma investigação in loco, mas a África do Sul negou acesso aos diplomatas estrangeiros.

O governo sul-africano também ignorou os apelos da Organização da Aviação Civil Internacional por uma investigação conjunta e demorou quase um mês para divulgar os primeiros relatórios sobre as caixas-pretas do acidente. Um dos sobreviventes afirmou ter visto militares do alto escalão da África do Sul no local da queda vasculhando a aeronave em busca de malas diplomáticas e interrogando os feridos sobre os assentos onde estavam Machel e seus colaboradores.

Em 1996, o presidente sul-africano Nelson Mandela afirmou ser favorável a abertura de uma nova investigação judicial sobre o acidente, mas foi contido por pressão dos militares de seu país. Em 2016, a Organização das Nações Unidas pediu, em vão, uma revisão da investigação.

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