Foto : Paulo Pinto/Agência Brasil
Já não é segredo para ninguém: o negócio da privatização baseia-se no modelo Jack Welch de gestão, e tem sido adotado também por Organizações Sociais que terceirizam serviços de saúde de prefeituras, tendo por trás de si organizações criminosas.
Trata-se de um modelo simples.
Em vez de investir em novas empresas, adquire-se uma empresa pública de serviços – em saneamento, energia, em suma, em qualquer setor onde exista monopólio natural.
Depois, saca-se permanentemente contra o futuro da empresa, visando esvaziá-la o máximo possível, através da maximização dos lucros e da distribuição de dividendos.
Manutenção – corte de serviços de manutenção.
Investimentos – redução dos investimentos em todos os níveis.
Funcionários – junto com os cortes em manutenção, redução do quadro de funcionários.
Vendas de ativos – imóveis, subsidiárias, tudo é vendido para que o dinheiro seja distribuído aos acionistas.
A Enel atuou de acordo com o figurino. Ela adquiriu a ex-Eletropaulo em junho de 2018, depois de uma disputa com a espanhola Iberdrola.
De início, acenou com várias melhorias:
- troca da frota da empresa
- modernização das subestações
- modernização da loja e canais de atendimento.
Anunciou também investimentos em São Paulo de R$ 3,1 bilhões entre 2019 e 2021 e de 4 bilhões de euros (R$ 17,2 bilhões em todo país).
Na prática, procedeu a cortes brutais em manutenção e no quadro de funcionários. A maneira de contornar o problema foi esperta e sobreviveu até a primeira grande tempestade.
O grande problema da fiação aérea é a possibilidade dos fios se tocarem gerando curto circuito. Empresas modernas usam isoladores de porcelana ou vidro que isolam a estrutura metálica dos postes. No caso paulista, os isoladores são de madeira.
Em vez de dar manutenção, a empresa esperava o curto circuito. Aí desligava os geradores do local e mandava a manutenção trocar especificamente os isoladores que deram pau.
Quando veio a primeira tempestade, a esperteza engoliu o esperto. A Enel se comprometeu com Lula em fazer investimentos de R$ 20 bilhões para acabar com os apagões, além de recomposição de seu quadro de funcionários.
O corpo técnico do Tribunal de Contas do Município fez um balanço minucioso das providências que não foram tomadas após o primeiro desastre. Identificou 7 problemas graves:
Déficit de 32% dos investimentos entre 2018 e 2022 em relação ao previsto (R$1,5 bi).
Tempo de atendimento a emergências (aumento de 72% entre 2021 e 2024, atingindo a marca de cerca de 15 horas).
Desempenho 20% abaixo da meta regulatória estabelecida pela ANEEL para o Indicador de Nível de Serviço em 2023.
Nível crítico do Índice ANEEL de Satisfação do Consumidor (IASC) no ano de 2023, atingindo apenas 52 pontos em uma escala de 0 a 100, estando entre as dez piores concessionárias de energia elétrica do país.
Multas acumuladas aplicadas pela ANEEL, PROCON-SP e SENACON, totalizando mais de R$ 355 milhões.
Redução do quadro de funcionários em 51,55% nos últimos cinco anos, o que corresponde a uma diminuição de aproximadamente 4 mil postos de trabalho.
Redução de quase 50% nos custos operacionais entre 2018 e 2023, apesar do aumento de 19% na demanda por energia.
O episódio terá consequências que vão além da Enel. A primeira foi a decisão da AGU (Advocacia Geral da União) e da CGU (Controladoria Geral da União) de uma fiscalização severa sobre a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), uma das muitas agências reguladoras capturadas pelo setor regulado.
Lula ordenou estudos para resolver a questão do aparelhamento das agências. Deverá ocorrer, também, sanções contra administradores relapsos.
Mas falta a questão maior. O apagão da Enel, a sucessão de explosões em transformadores, de fios de alta tensão espalhados pelas calçadas, exigem uma resposta severa contra os executivos, e não apenas pela lei de improbidade, mas o Código Penal. Há que se punir exemplarmente executivos que atuam irresponsavelmente. Eles são o início da cadeia de comando.1