A primeira rodada do golpe paraguaio foi a tentativa de glosar a campanha de Dilma Rousseff no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), uma manobra envolvendo o presidente Dias Toffoli e seu líder Gilmar Mendes. Falhou no último instante graças ao recuo do Ministro Luiz Fux.
A segunda foi a de abrir o ritual do impeachment com base nas pedaladas, obra do presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Com os índices de popularidade de Dilma em patamares mínimos, pensava-se que a mera abertura do rito do impeachment seria suficiente para derrubar a presidente.
A manobra expôs de modo imprudente o perfil da frente de conspiradores: Aécio Neves, José Serra, FHC, Gilmar Mendes, Paulinho da Força, Michel Temer, Eduardo Cunha, Paulo Skaf, Ronaldo Caiado, Agripino Maia. Pela primeira vez se via, de forma panorâmica, o que seria a partilha do bolo e quem seriam os novos vitoriosos.
Pelo efeito comparação, estão criando um movimento de reversão da imagem negativa de Dilma.
O segundo movimento termina com alterações em relação ao cenário de 2015:
1. O STF projeta-se, de fato, como poder mediador, pouco propenso a endossar aventuras caudilhescas.
2. A reação geral comprovou que não existirá impeachment indolor, como foi no caso de Fernando Collor. A gana com que os conspiradores se atiraram ao pote despertou um movimento de proteção à presidente. Ficou claro quem representava os vícios do modelo político vigente.
3. A crise interna do PMDB demonstrou também que a frente PMDB-PSDB não seria nenhuma garantia de aglutinação e estabilização política.
A segunda rodada termina com a alternativa Michel Temer queimada e com o impeachment via Câmara inviabilizado. Todo o trabalho de construir a imagem de Temer mediador virou pó com alguns dias de exposição ao sol.
A próxima rodada será novamente no TSE. Com as últimas revelações da parceria Camargo Correia-Cunha-Temer, o vice-presidente será jogado ao mar pela mídia. Restará ao PSDB – liderado por Gilmar Mendes – o protagonismo solitário da próxima tentativa de golpe. O ápice do jogo acontecerá ainda no primeiro trimestre.
O cenário do golpe paraguaio
A substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa permitirá um recomeço na política econômica. Ambos têm como meta a recomposição fiscal. Mas há diferenças radicais nos estilos e propósitos.
Levy tem a mentalidade do Tesouro, de analisar os gastos apenas do lado quantitativo, sem se preocupar com os efeitos sobre a economia. Para ele, bastaria um superávit consistente para imediatamente os investimentos voltarem. Nada de pensar em criar demanda.
Barbosa tem uma visão sistêmica. Sabe que o ajuste não pode ser o único fator motivador dos investimentos. Há desafios na manutenção da demanda, no destravamento de setores baleados.
Essa diferença de visão manifestava-se nas conversas com parlamentares. Levy limitava-se a repetir a retórica do fim do mundo para sensibilizar os parlamentares. Barbosa mostra um todo lógico e acena com a volta do desenvolvimento calçada em uma série mais ampla de fatores: das concessões à recuperação da capacidade de investimento do Estado.
Finalmente, há uma diferença crucial na maneira de analisar o orçamento. Levy preferiria que as vinculações orçamentárias desaparecessem e que oi superávit surgisse da redução dos gastos com educação e saúde. Já Barbosa considera os gastos sociais como indissociáveis com o atual nível de avanço político do país. Aliás, esta é a posição de Dilma, que não permitiu que avançassem as ações visando a desvinculação.
O trimestre decisivo
Mesmo assim, Barbosa enfrentará desafios de monta pela frente.
No primeiro trimestre a crise econômica estará no auge. Haverá ainda pressões inflacionárias e um aumento substancial das taxas de desemprego. A sensação de mal-estar chegará ao auge.
Barbosa terá que atravessar esse período tendo que administrar duas expectativas até certo ponto conflitantes.
Do lado direito, o mercado, que terá que ser convencido de sua responsabilidade fiscal. Do lado esquerdo, os desenvolvimentistas e movimentos sociais terão que conter a impaciência.
O primeiro bicho a ser domado será o mercado.
A ideia de que o mercado é inimigo de Barbosa só se sustenta nas manchetes de jornais. O mercado quer regras claras e previsibilidade. E previsibilidade se consegue com um programa factível que exponha claramente os custos da travessia e o cenário a ser perseguido.
A grande bronca do mercado com o primeiro governo Dilma não foi a queda da taxa de juros. Naquele primeiro momento o mercado acreditou e iniciou uma realocação de recursos para o longo prazo, em infraestrutura. Quando Dilma inverteu a mão e passou a aumentar os juros, quebrou as pernas dos que apostaram no novo ciclo.
No intervalo entre um golpe paraguaio e outro, o desafio do governo será:
1. Acertar o ajuste fiscal com a aprovação da CPMF e demais micro-reformas fiscais anunciadas.
2. Destravar o setor de petróleo e gás em cima da nova Lei de Leniência.
3. Acelerar as concessões. Nesse campo, a indicação de Valdir Simão para o Planejamento é boa escolha. Trata-se do melhor gestor do governo.
4. Convencer o Banco Central a amenizar essa política monetária suicida.
Serão três meses de chumbo grosso. Sabendo que, completada a travessia, a economia terá condições de reagir no segundo semestre, o PSDB junto com parte da mídia apostará todas as fichas na estratégia da terra arrasada.
Mas, ao contrário de 2015, desta vez não haverá a mesma complacência com que suas diatribes foram tratadas pela opinião pública.
Na medida em que Barbosa consiga definir com clareza sua estratégia, e coloca-la em prática, haverá uma reação cada vez maior da opinião pública contra o oportunismo dos incendiários.