
Os velhos guerreiros saíram das brumas dos tempos e rumaram para a sede histórica do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Em 50 anos, muita água rolou. Cada um seguiu seu caminho, seus desafios e andanças, fizeram carreira na mídia, nos alternativos, nos movimentos, desencontraram-se algumas vezes. Mas, agora, no sindicato, reuniram-se para a celebração ritual: os 50 anos da morte de Vladimir Herzog e da cerimônia histórica na Catedral da Sé, que marcou o início da derrocada da ditadura.
Os mesmos rostos de 50 anos atrás, com 50 anos de rugas, carregando cãibras e artroses, percorremos os pouco mais de 2 km de distância da Catedral da Sé, empunhando cartazes e bandeiras, tal e qual 50 anos atrás.
Foi a rememoração histórica do ato que marcou a vida de toda uma geração.
No altar, as figuras históricas do Cardeal dom Paulo Evaristo Arns, do rabino Harry Sobel e do pastor James Wright representadas por Dom Odilo Pedro Scherer, o rabino Ruben Sternschein e a reverenda Anita Wright, filha de James Wright.
Nos discursos, não pouparam adjetivos para descrever a ditadura, um regime dos militares, que matava, prendia e torturava. Não se valeram de figuras de linguagem, de eufemismos, de atenuantes: era uma ditadura que matava quem ousasse criticá-la. Católicos, judeus, protestantes e representantes de outras religiões, todos irmanados na denúncia da violência de Estado e na frente contra a anistia para golpistas.
Rogério Sottili e sua equipe, do Instituto Vladimir Herzog, montaram um espetáculo com todos os símbolos daquele período, com imagens das passeatas e o coral interpretando músicas da resistência. E as homenagens se sucedendo, com filmes com discursos de Audálio Dantas, o grande presidente do Sindicato dos Jornalistas.
A cerimônia começou com o coral Luther King interpretando a monumental “Missa Criolla”, do argentino Ariel Ramirez, aliás a mesma peça com que o Papa Francisco inaugurou seu papado. A Missa Criolla simbolizava a resistência latino-americana, em uma cerimônia coalhada de símbolos.
Um dos momentos máximos da cerimônia foi a homenagem ao juiz Márcio José de Moraes que, em 1978, em plena vigência do AI-5, e iniciando a carreira – tinha apenas 32 anos – proferiu a sentença definitiva, condenando a União pelo assassinato de Herzog.
As grandes homenageadas foram as mulheres. Como dizem os próprios filhos, os homens – Vlado, Rubens Paiva, Stuart Angel – foram as vítimas. As mulheres – Clarice, Eunice, Zuzu – foram as heroínas.
E coube a uma mulher, Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar, o momento mais emocionante da cerimônia quando, em nome da Justiça Militar, pediu desculpas públicas às vítimas do regime.
“Estou presente neste ato ecumênico de 2025, para, na qualidade de presidente da Justiça Militar da União, pedir perdão a todos que tombaram e sofreram lutando pela liberdade no Brasil.
Pedir perdão pelos erros e as omissões judiciais cometidas durante a ditadura.
Eu peço perdão a Vladimir Herzog e sua família, a Paulo Ribeiro Bastos e à minha família, a Ruben Paiva e a Míriam Leitão e seus filhos, a José Dirceu, a Aldo Arantes, a José Genoíno, a Paulo Vannuchi, a João Vicente Goulart e a tantos outros homens e mulheres que sofreram com as torturas, as mortes, os desaparecimentos forçados e o exílio.
Eu peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país, pelos equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar federal, em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário.
Recebam o meu perdão, a minha dor e a minha resistência”.

