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O racismo ainda vive nos EUA

Mar 03, 2016

Por Carta Maior                                                  

 

 

Larrie Butler, homem negro de 90 anos, nasceu em Calhoun County, na Carolina do Sul, durante a era de segregação, em que o Sul era regido pelas leis de Jim Crow. Ele se mudou para Maryland depois de servir nas forças armadas e cursar uma faculdade, mas voltou para a Carolina do Sul em 2010. Ele então adquiriu seu registro eleitoral e votou naquele estado em 2010.

 

Em 2011, a Carolina do Sul aprovou uma nova legislação eleitoral exigindo uma identificação com foto concedida e autorizada pelo governo. Quando Butler passou no DMV [Departamento de Transporte Automotivo, semelhante ao Detran] para transferir sua carteira de motorista de Maryland para Carolina do Sul, disseram que ele precisaria de sua certidão de nascimento para confirmar a identidade. Mas Butler nasceu em casa, em uma época de poucos hospitais negros, e nunca recebeu um certificado de nascimento. Quando ele buscou o escritório de registros civis, a fim obter sua certidão de nascimento, disseram que ele precisaria tirar uma nova carta de motorista em Maryland e procurar seu histórico do ensino médio na Carolina do Sul. Depois de voltar com todos esses documentos, disseram que ele precisaria entregar também seu histórico do ensino primário, o que Butler não poderia fazer, porque a escola em que estudou estava fechada. Então, ao invés disso, ele encontrou o seu registro do censo, que não foi aceito porque seu primeiro nome, Larry, não correspondia precisamente ao nome que ele usou durante toda vida, Larrie. Assim, disseram que fosse a um orgão jurisdicional e mudasse legalmente seu nome aos 85 anos, a fim de obter uma nova certidão de nascimento; necessária, por sua vez, para tirar uma nova carteira de motorista na Carolina do Sul e, com isso, ser capaz de votar.

Em 18 de maio de 2011, o governador da Carolina do Sul, Nikki Haley, assinou essa nova lei eleitoral [Voter-ID law]. "Se você tem que mostrar documento com foto para comprar medicações controladas, se você tem que mostrar documento com foto para entrar em um avião, então você precisa mostrar documento com foto quando for votar", disse Haley.

 

Em uma conferência de imprensa, logo após a aprovação do projeto de lei, Butler se dirigiu ao governador Haley, erguendo uma passagem de avião e medicações que ele havia comprado apenas com sua carteira de motorista de Maryland, a mesma que não lhe serviria para votar na Carolina do Sul. Pouco depois, o DMV convocou Butler e disse que não seria mais necessária uma certidão de nascimento, permitindo que obtivesse licença para votar com sua carteira de motorista em futuras eleições.

 

Mas ainda há centenas de milhares de pessoas na Carolina do Sul que enfrentam obstáculos semelhantes. De acordo com dados do estado, 178 mil eleitores registrados, 7% do eleitorado total, não têm uma identificação com foto emitida pelo DMV. Os eleitores negros estão 20% mais suscetíveis do que os brancos a não ter a nova documentação exigida. E existem pelo menos 63,756 eleitores negros registrados sem esses documentos.

 

"Notavelmente, os sete municípios com os maiores percentuais de eleitores registrados que não têm identificação emitida pelo DMV também estão entre os dez municípios na Carolina do Sul que têm o maior percentual de pessoas negras em idade de votação", de acordo com o Departamento de Justiça

Este poderia ser um grande problema na primária presidencial democrata, na qual é esperado que os negros representem metade do eleitorado, em contraste com a primária republicana, cujo eleitorado é 96% branco.

O Departamento de Justiça se opôs à nova lei identificação da Carolina do Sul, nos termos do Artigo 5º da Lei dos Direitos de Voto. A Suprema Corte reivindicou que um tribunal federal aprovasse a lei somente depois que Carolina do Sul concordasse em permitir que os eleitores sem uma identificação com fotografia válida assinassem uma declaração explicando que tinham um "impedimento razoável" para a obtenção da nova identificação eleitoral. "Sem uma revisão do processo conforme a Lei dos Direitos de Voto, a nova lei de identificação da Carolina do Sul certamente teria sido mais restritiva", escreveu o juiz John Bates. A lei foi bloqueada em 2012, mas agora está em vigor para as eleições de 2016 e dezesseis estados apresentam novas restrições de voto desde 2012.

Mas as autoridades eleitorais estaduais estão criando confusão, enfatizando que os votantes precisam da identificação com fotografia válida para lançar uma cédula, mesmo que juridicamente não seja necessário. (E para tornar as coisas ainda mais complicadas, os eleitores que têm uma identificação com foto, mas se esquecem de trazer, terão que voltar com a documentação no prazo de 10 dias para ter o seu voto contado).

Como Zach Roth, do MSNBC, observou, cartazes distribuídos por todo o estado dizem: "Requisitos de identificação com foto estão em vigor: os eleitores serão convidados a mostrar documentação antes de votar". E apenas um pequeno texto, muito menor e no fim da placa, indica que os eleitores podem votar sem tal requisito.

A Junta Eleitoral tuitou informações incorretas para Kira Lerner, da Think Progress, dizendo: "Se você tem documento com foto, você deve trazê-lo às urnas. Se você não fizer isso, você vai ter que mostrá-lo mais tarde para validar seu voto".

Brett Bursey, da South Carolina Progressive Network, afirma que “está sendo feita propaganda enganosa como material educativo" e diz que pretende entrar com uma ação antes das eleições gerais. "Nós ganhamos a batalha contra essa lei eleitoral, mas perdemos a guerra por conta de toda confusão que vem sendo feita".

Desde o início, os republicanos da Carolina do Sul apresentaram uma atitude arrogante para com os eleitores marginalizados pela lei. "Me mostre as pessoas que sentem violadas em seus direitos", disse o governador Haley, "e eu vou pessoalmente com elas até o DMV para tirar a documentação com foto". Para transportar até o DMV os 178 mil eleitores registrados que não possuem a documentação levaria pelo menos sete anos, quatro meses, três semanas e cinco dias, calculou a Think Progress.

Tal confusão não é mero acaso, dizem os opositores da lei. A medida foi aprovada para restringir os eleitores negros que desproporcionalmente não possuem uma identificação eleitoral com foto, diz Sellers Bakari, um democrata negro que serviu na Câmara dos Deputados da Carolina do Sul de 2006 a 2014. "Isso tudo se trata de uma questão racial. Depois que Obama foi eleito, criou-se o receio de que muitos negros passassem a comparecer às urnas".

A Carolina do Sul tem uma vasta tradição de política racistas, da Guerra Civil até Strom Thurmond, e o debate em torno da nova legislação eleitoral não foi uma exceção. Os membros do Caucus Legislativo Negro abandonaram a legislatura quando a lei foi inicialmente considerada. Após a aprovação da lei, Ed Koziol, militante republicano, escreveu um e-mail para o autor do projeto, o representante Alan Clemmons de Myrtle Beach, dizendo que se oferecessem $100 aos negros que obtivessem a nova identificação eleitoral “você veria o quão rápido eles apareceriam para tirar a documentação. Seria como um enxame de abelhas em volta da colmeia".

"Amém, Ed. Obrigado por seu apoio ao nosso projeto", Clemmons respondeu.

Essa retórica racista em apoio ao projeto de lei ocorreu antes do assassinato de Walter Scott e do massacre dos nove fiéis em Charleston, que atraíram atenção nacional para a mazela duradoura do racismo na Carolina do Sul. Muitos republicanos na Carolina do Sul não moderaram seus pontos de vista: 70% dos apoiadores do Donald Trump afirmam desejar que a bandeira confederada volte a ser estendida sobre o parlamento; 38% gostariam que o Sul tivesse vencido a Guerra Civil, e 20% discordam da abolição da escravidão.

Uma mistura tóxica de políticas racistas e de histeria frente a supostas fraudes eleitorais levou à aprovação da lei. Os republicanos da Carolina do Sul repetidamente fizeram argumentações absurdas sobre fraude para justificar a medida, afirmando que 900 pessoas falecidas haviam votado na eleição de 2010. "Nós sabemos com certeza que há pessoas mortas cuja identidade está sendo usada nas eleições da Carolina do Sul", disse o procurador-geral do estado, Alan Wilson. "Nós temos que garantir que zumbis não votarão", acrescentou Clemmons.

Mas uma investigação da Law Enforcement Division da Carolina do Sul "não encontrou nenhum caso de atividade ilegal", de acordo com a Columbia Free Times. Em documentos judiciais, o Estado "não inclui qualquer evidência de falsidade ideológica ou qualquer outro tipo de fraude" observou o Departamento de Justiça.

"A desinformação, o discurso de ódio e a falta de simpatia deste debate ainda me enfurecem até hoje", diz Sellers. "Não há reconhecimento de que as pessoas lutaram e morreram pelo direito ao voto".

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