Ainda de ressaca cívica depois da festa democrática desta sexta-feira, faço questão de registrar que era fácil notar que sobre a multidão que ocupou a Praça XV, no Rio, pairava uma promissora atmosfera de compromisso com a luta republicana e a defesa da liberdade.

 

Isso nos permite projetar que esse movimento vai dar liga, pois já incendiou corações e atraiu mentes que não abrem mão do regime democrático, "o pior de todos os regimes, com exceção de todos os outros", segundo o estadista britânico Winston Churchill.

 

Entre dezenas de milhares de jovens, mulheres, negros, trabalhadores, homossexuais, gente de meia idade e coroas oriundos de todas as classes sociais, voltei no tempo e me senti tão emocionado e atento a todos os discursos como nos primeiros comícios dos quais participei na vida contra a ditadura, pela Assembleia Nacional Constituinte, pela anistia e contra a Lei de Segurança Nacional.

 

Inebriado pela energia política que emanava individualmente de cada pessoa e transbordava coletivamente de forma frenética , lembrei de uma frase capaz de ilustrar com perfeição aquele momento histórico : "Lutamos pelo bom, pelo justo, pelo melhor do mundo", disse a grande revolucionária Olga Benário Prestes ao seu companheiro quando a prisão pela polícia política do Estado Novo era questão de horas.

 

Saí da Praça XV de alma lavada e com a certeza de ter presenciado um tipo de acontecimento que precede às conquistas históricas. Mas, para que isso se torne realidade, a mobilização e a ocupação de praças, ruas e avenidas têm que continuar, bem como a disputa 24 horas nas redes sociais.

 

Não nos iludamos : forças muito poderosas se levantaram contra a democracia. Monopólio da mídia, com Globo à frente, e instituições do Estado contaminadas pelo golpismo como Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário são adversários que não podem ser subestimados.

 

É preciso sangue frio e nervos de aço para uma guerra prolongada. Ainda na noite do memorável dia 18, o militante do PSDB travestido de magistrado, Gilmar Mendes, concedeu uma liminar, pra lá de previsível, suspendendo a posse de Lula no ministério e mandando o processo de volta para seu correligionário Sérgio Moro.

 

Mas esse movimento tático do inimigo, feito sob medida disputar as manchetes com a força demonstrada pela esquerda e pelos democratas que lotaram as ruas em todos os estados, em nada apaga o brilho do que construímos nesta sexta-feira. É hora, portanto, de fazer da sensação de êxtase com a qual acordamos hoje combustível para os próximos embates.

 

Moro já mostrou que á capaz de tudo para jogar lenha na fogueira da campanha pela ruptura da ordem democrática. Quem grampeia uma presidenta da República pode muito bem mandar prender um ex-presidente. Mas que ele saiba que encarcerar o maior líder popular do país não será propriamente um passeio no parque. Que ele saiba que tem muito mais gente disposta a resistir do que ele e seus cúmplices globais imaginam.