São Paulo – Ao mesmo tempo em que reconheceu que o movimento sindical está insatisfeito com ações do governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou os efeitos da Operação Lava Jato na economia, questionando se não é possível combater a corrupção "sem fechar empresas e sem aumentar o desemprego". Em ato de apoio organizado por sindicalistas, na tarde de hoje (23), em São Paulo, Lula disse que pedirá seis meses de "paz" ao Congresso e que pretende discutir "uma política econômica que traga esperança", mas – com a posse como ministro da Casa Civil ainda suspensa – acrescentou que essa não é a única maneira de contribuir para a retomada do crescimento. "Se enganam aqueles que pensam que eu só posso ajudar a Dilma sendo ministro." Lembrando da manifestação na última sexta-feira (18), disse que teve a sensação de ter sido "empossado" na Avenida Paulista.
"A presidenta Dilma tem consciência de que não podemos continuar com a política econômica que não permite a geração de empregos", afirmou o ex-presidente, referindo-se ainda ao anúncio de novo corte orçamentário feito pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. "Toda vez que a gente fala em corte, está falando em diminuir a capacidade de investimento do Estado." Sobre a Lava Jato, Lula afirmou que a operação "é uma necessidade para este país", mas questionou o impacto na economia, dizendo que "quando tudo isso terminar, pode ter muita gente presa, mas pode ter milhões de desempregados".
Ele voltou a criticar a oposição, por não respeitar o resultado eleitoral de 2014, e as tentativas de interromper o mandato de Dilma Rousseff. "Eu esperei pacientemente (até ganhar uma eleição), eles que esperem. Não existe nenhuma razão legal para o impeachment. Eles querem antecipar o mandato da Dilma? E o respeito pelo povo, pelo voto?", reagiu. "Este país não pode aceitar o golpe."
O ex-presidente também lamentou o clima conturbado atual: "O que a gente não pode aceitar é o ódio que está sendo destilado neste país. Não queremos a sociedade brasileira dividida entre petistas e não petistas, entre vermelhos e verde-amarelos". Ele se disse "enojado" com o comportamento de "setores" da comunicação e apontou "pessoas que são condenadas pelas manchetes de jornais antes de serem julgadas", citando o caso da Escola Base, em São Paulo, apontado como um exemplo grave de erro da mídia.
Democracia
Lula disse que o país vive o seu mais longo período contínuo de democracia – 31 anos, considerando a eleição indireta de Tancredo Neves, ou 28, a contar da promulgação da Constituição. "É importante a gente ter dimensão histórica do que está acontecendo. Quem tem a minha idade, um pouco mais, um pouco menos, sabe o quanto a democracia é importante na vida de um povo", afirmou, citando presidentes do período pré e pós 1964. "Penso que todo mundo deveria reler a carta-testamento de Getúlio para entender o que aconteceu naquela época e o que está acontecendo agora."
E lembrou que Juscelino Kubitschek, que não era de esquerda, também foi acusado de ter um apartamento, no Rio de Janeiro, que não possuía, em ilação ao caso do tríplex do Guarujá, no litoral paulista. Citou ainda Jânio Quadros, João Goulart e o golpe de 1964, para chegar ao momento atual. "Não é fácil os conservadores aceitarem as pessoas que são da elite, não são quatrocentões, eles têm muita dificuldade de aceitar."
O ex-presidente disse que, no governo, teve de escolher um lado. "Mas tinha clareza de que não podia brigar com ninguém, eu tinha de construir", afirmou, destacando o papel do movimento sindical, que apoiou medidas, mas sem deixar de apresentar reivindicações.
Manifesto
A plenária aprovou um manifesto em defesa da democracia, falando sobre as ameaças a diretos e expressando confiança em Lula, que para os sindicalistas "irá contribuir de forma decisiva para solucionar a crise política e institucional que perturba o Brasil". Leia a íntegra abaixo.
Garantir a democracia brasileira e o respeito à Constituição Cidadã
Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe
A ameaça de golpe daqueles que querem rasgar a Constituição está aprofundando a recessão econômica e o aumento do desemprego no Brasil.
Com isso, a democracia, os direitos da classe trabalhadora e a soberania nacional correm sério risco.
Para fazer frente a esta conjuntura, nós, sindicalistas de diferentes tendências sindicais, reunidos neste ato, manifestamos total solidariedade à presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita pela maioria do povo brasileiro, e ao companheiro e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e exigimos a imediata efetivação de sua posse como ministro chefe da Casa Civil.
Expressamos a convicção de que Lula, na condição de maior líder político e popular do país, que merece e goza da plena confiança e solidariedade dos dirigentes e da classe trabalhadora brasileira, irá contribuir de forma decisiva para solucionar a crise política e institucional que perturba o Brasil.
Só superando a crise pela via democrática, sem subterfúgios, à margem da Constituição, poderão ser criadas as condições para a retomada do crescimento e a geração de empregos no país.
O momento requer unidade e demanda repúdio a atitudes antidemocráticas que, a pretexto do combate à corrupção, resultaram no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e na deposição de João Goulart, em 1964.
Tendo forjado sua liderança política no movimento sindical, Lula exerceu um governo marcado por importantes conquistas da classe trabalhadora e do povo, entre as quais cumpre destacar:
A política de valorização do salário mínimo;
O arquivamento do projeto de reforma trabalhista que estabelecia a prevalência do negociado sobre o legislado;
A legalização das centrais sindicais;
Os programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida
Com sua notória habilidade de negociação, Lula, como ministro-chefe da Casa Civil, poderá dialogar com as diversas forças políticas do país, o que reforçará a preservação das conquistas sociais dos últimos 13 anos. O ex-presidente poderá também dar sequência às propostas inscritas no documento “Compromisso pelo desenvolvimento”, lançado por sindicalistas e empresários em dezembro de 2015, como contribuição efetiva para a superação da recessão.
Por essas razões, dentre tantas outras que levaram ao engrandecimento da nossa Nação, conclamamos a todos os cidadãos brasileiros, sobretudo os trabalhadores, à com serenidade e firmeza, defenderem a nossa democracia, nossa Constituição e nossos direitos sociais duramente conquistados.
São Paulo, 23 de março de 2016