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Um golpe contra o povo e contra a democracia

Abr 18, 2016

Por Aldo Fornazieri, no Jornal GGN                                                 

 

 

Uma farsa dantesca, uma hipocrisia medonha, um cinismo indescritível. Eis a síntese do que se viu no dia 17 de abril de 2016 na Câmara dos Deputados. O que os deputados golpistas autorizaram foi a cassação de 54 milhões de votos, a cassação da soberania popular para que um grupo de corruptos assalte o poder sem voto e sem legitimidade. O que se viu foi a farsa de abrir caminho, em nome do combate à corrupção, para que um denunciado de ter recebido cinco milhões de reais em propina se torne presidente do Brasil. O que se viu foi a hipocrisia de, em nome da moralidade, permitir que o maior corrupto do Brasil se torne o primeiro na linha de sucessão da presidência da república. O que se viu foi o cinismo de deputados acusados de corrupção declararem votos em nome da salvação do Brasil do mal da corrupção. Este espetáculo de degradação da política, de degradação da dignidade do Brasil, sequer escapou ao New York Timesque estampou em sua capa: “Gang de ladrões vai julgar Dilma”. Em nome de Deus, da família e da pátria e blasfemando contra Deus, conspurcando as suas famílias e pisoteando a pátria e a Constituição essa gang de ladrões fez suas declarações de voto.

O que se viu foi uma Câmara dos Deputados, que tem 7% de avaliação positiva, falar em nome do povo cassando o voto do povo. Foram 367 punguistas anulando 54.501.118 votos. Não há nenhuma acusação razoável contra a presidente Dilma e há cerca de 300 deputados enredados com questões judiciais. Não há democracia sem respeito à soberania popular.

Houve uma clara e criminosa ruptura da ordem democrática e institucional. Ruptura construída paulatinamente, pelo juiz Moro, pelo Ministério Público Federal, pela Política Federal e pelo Supremo Tribunal Federal que prevaricou ao permitir que Eduardo Cunha comandasse esse processo inescrupuloso de violência contra a democracia. O que se viu foi a desavergonhada declaração de votos de deputados do PSDB e de outros partidos de oposição clamando pela responsabilidade fiscal quando votaram  nas pautas-bomba de Eduardo Cunha aumentando o déficit público no momento em que o Brasil precisava reduzi-lo. Como podem esses todos arvorar-se salvadores do Brasil quando agiram justamente para quebrar o Brasil?

O PT e o governo devem um pedido de desculpas à sociedade

Como pode essa gang de ladrões aliar-se à Fiesp que clama para não pagar o pato quando se sabe que quem paga o pato da Fiesp, dos bancos e do agronegócio é o povo pobre do Brasil que paga muito mais impostos que os ricos? Como pode o governo do PT ter sido tão ingênuo ao conceder mais de R$ 400 bilhões em incentivos e subsídios às elites possuidoras para ser traído por elas? Como pode o governo do PT ter se aliado aos partidos conservadores das elites abandonando o povo para ser traído por ministros do próprio governo na véspera e durante a votação do golpe?

Como pode o PT ter se enganado, imaginando que podia contar com o beneplácito das elites; que podia beber os vinhos caros com as elites; que podia exibir-se com os ternos importados junto às elites; que podia frequentar os hotéis e restaurantes luxuosos para congraçar com as elites? O PT foi aceito enquanto enchia os bolsos das elites com a farra das commodities. Nesse meio tempo, os movimento sociais se tornaram incômodos para os petistas nos governos; as sandálias da humildade foram jogadas no lixo; a estúpida arrogância do poder mesquinho entumecia o peito de parlamentares e dirigentes petistas; o conhaque de alcatrão de São João da Barra foi substituído pelo whisky envelhecido. Mas quando os governos petistas não tinham mais o que entregar à elite branca, endinheirada, de mentalidade escravocrata, machista, racista e homofóbica, o PT recebeu um senhor golpe. Somente nesse momento se lembrou de recorrer ao povo – mas tardiamente. Já passou da hora de o PT e do governo pedirem desculpas à sociedade pelos seus erros e pelos seus desvios

Sem pacto e sem transição transada

Quando veio a conta da farra fiscal em favor das elites, essas não quiseram pagá-la. Propuseram que o governo do PT pendurasse a conta nos ombros dos trabalhadores. O governo ficou paralisado: não fez nem uma coisa e nem outra. Não teve coragem de cobrar a conta  a aqueles que mais ganharam.

Com um roteiro golpista e conspirador Temer e o PMDB construíram um programa de ataque aos direitos trabalhistas e sociais, de quebra da previdência, de entrega de áreas da economia de conteúdo nacional ao capital estrangeiro, de associação subordinada aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos. Essas são algumas das razões do golpe.

Mas se o PT e o governo foram humilhados e derrotados, se a Constituição foi rasgada e se a democracia foi violentada, paradoxalmente, essa crise toda produziu algo positivo. Novos movimentos sociais surgiram, uma juventude combativa se pôs nas ruas, milhares de debates foram realizados e esses novos movimentos e essa nova esquerda construíram pontes de unidade com os movimentos sociais que estavam paralisados, sob a cômoda condição de governistas. As manifestações do “não vai ter golpe” se equipararam às manifestações pró-golpe e isto fez com que nas redes sociais houvesse uma virada contra o golpe.

Duas frentes progressistas e de esquerda se formaram – Povo sem Medo e Frente Brasil Popular – e passaram a atuar em conjunto. É preciso avançar na reorganização dos movimentos sociais e políticos numa ampla frente progressista para enfrentar as novas etapas do golpe. O mais provável é que esse processo deságue na proposição de novas eleições gerais.

Mas o que esses movimentos políticos e sociais aprenderam nesse curto espaço de tempo é a necessidade de construir e preservar a autonomia em relação a qualquer governo. Para quem quer conquistar direitos e construir políticas públicas sociais é mais importante estar nas ruas, nas periferias, nas organizações sociais, culturais e sindicais do que estar nas secretarias e nos ministérios dos governos.

Esses novos movimentos não devem e nem podem fazer nenhum pacto. Os pactos, as “transições transadas”, na expressão do Raimundo Faoro, sempre foram enganosos para o povo e para os movimentos sociais. Mudanças efetivas nunca se consumaram no Brasil, pois as elites se apossaram das ideias de mudança para manter o status quo. É o que se vê novamente neste momento. Em nome do combate à corrupção quer-se um retrocesso da democracia, dos direitos sociais, dos direitos civis e dos direitos políticos. Movimentos de repressão e de perseguição à lideranças de movimentos sociais já estão em andamento. O povo não pode enganar-se e nem ser enganado mais uma vez com pactos ilusórios.

Se o governo Temer vier, será preciso agir para derrubá-lo, pois será um governo ilegítimo produzido por um golpe antidemocrático. Não se pode dar nenhuma trégua a um governo dessa natureza. A ideia da “unidade nacional” nada mais é do que uma máscara para jogar o peso do ajuste nos ombros dos trabalhadores e para sacrificar os programas sociais. As elites estão quebrando a ordem democrática e constitucional. Não merecem nenhuma confiança e nenhuma trégua.

Neste 17 de abril de 2016, o sol enganou o dia e a lua enganou a noite. Não poderá ser lembrando com um dia ensolarado e como uma noite enluarada. Foi um dia trevoso, cinzento para a história do Brasil. Felizes os portugueses que comemoram o mês de abril como um mês de libertação. Nós, brasileiros, teremos que lembrar o mês de abril como o mês da vergonha, da farsa, da hipocrisia e do cinismo.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

 

 

 

 

 

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