Imagine que você tenha enveredado por um caminho errado de sua vida, quebrado a cara, sido desatento aos sinais que vinham pela frente, insensível aos avisos dos amigos, pondo a perder o trabalho de pessoas que confiaram em você. Qual seria o grande incentivo? A possibilidade de uma segunda chance, o sonho da volta ao passado, corrigindo os erros cometidos, alimenta o imaginário geral.
Afastada do governo pelo golpe do impeachment, Dilma Rousseff terá uma bela oportunidade de mostrar o governo que poderia ter sido, através da montagem do chamado “gabinete fantasma”, uma espécie de Ministério paralelo com propostas de políticas públicas em contraposição ao Ministério real.
Serviria a dois propósitos.
O primeiro, mais imediato, mostrar em 180 dias o que poderia ser um novo governo Dilma, inclusive como argumento junto ao Senado. O segundo, mais permanente, o legado de um futuro programa de governo, que poderá servir de base para o agrupamento de centro-esquerda que se habilitar às eleições de 2018.
Seria sumamente didático como crítica central às limitações do presidencialismo de coalizão e à mediocridade previsível do governo Michel Temer - que chega ao auge com a possível entrega do Ministério de Ciências e Tecnologia a um bispo criacionista.
Nas últimas décadas o Brasil mudou de patamar. Houve o fenômeno da inclusão, do desenvolvimento regional, da ampliação do ensino superior, as experiências com novas políticas de inovação, as tentativas de política industrial com o pré-sal. Tudo isso liberou uma enorme energia, uma sede por novas experiências e por participação que, infelizmente, não foi atendida por nenhum governo e nenhum partido.
Há tempos, a Universidade, os intelectuais, os analistas políticos passaram a pensar furiosamente os novos tempos, desenvolvendo diagnósticos e propostas inovadoras de políticas públicas.
Agora, sem os obstáculos dos acordos políticos, da administração das engrenagens do poder e da burocracia, Dilma terá uma enorme oportunidade de apresentar a contribuição às mudanças internas, ainda que a posteriori.
Sem injunções políticas, indicaria para cada Ministério uma figura pública de reconhecida competência, com a incumbência de pensar o novo país. Teria plena adesão das universidades. E colocaria em marcha um enorme laboratório para apresentação de novas ideias, um desenho do país ideal sem as limitações do imediatismo político.
O Ministério da Fazenda poderá pensar e simular as políticas estruturais de mudanças no câmbio e na política monetária, propondo o fim do curto prazo nas aplicações financeiras.
O Planejamento desenvolveria as metodologias para acompanhamento e melhoria da gestão e para controle da corrupção. Poderia inclusive propor a criação de um Tribunal Interdisciplinar Anticorrupção, que permitisse o julgamento de casos de corrupção com rapidez, conhecimento interdisciplinar da matéria e dos setores, visando aumentar a eficiência das investigações e minimizar os estragos na economia.
O Ministério das Cidades avançaria nas propostas de desburocratização e na proposição de instituições intermediárias que permitissem amparar os municípios para se capacitar às diversas verbas federais.
O Ministério do Interior poderia avançar nos planos de definição das novas cidades polo, ajudando a consolidar a ideia das futuras metrópoles cuidando de políticas de bem-estar e sustentabilidade.
O Ministério de Ciência e Tecnologia aprofundaria as políticas já em vigor, como a Embrapii e demais ideias em gestação e denunciaria o desmonte que viesse a ser perpetrado.
O Ministério da Educação acompanharia a implementação da Base Curricular, denunciando desvios de finalidade.
Os Ministérios sociais aprofundariam a discussão sobre os instrumentos de participação direta nas políticas públicas.
O Alvorada seria transformado em um enorme centro de reunião de especialistas da academia, do setor privado, das organizações e movimentos sociais, mostrando que existem alternativas criativas, inovadoras e legitimadoras para políticas públicas.
Seria um formidável contraponto aos criacionistas que assumirão o Ministério de Ciência e Tecnologia, aos comunistas que assumirão a Cultura, aos vampiros que entrarão na Saúde, aos cabeças de planilha que controlarão o BC e a Fazenda.
No Ministério do Meio Ambiente, a preparação de uma estratégia de inteligência brasileira em relação ao mundo sustentável.
As políticas públicas teriam um cunho participativo que sumiu do governo nos últimos tempos. No mínimo, estariam sendo geradas as propostas iniciais para a plataforma social e econômica de uma aliança política alternativa para 2018. E cada tema seria um belíssimo evento, levando um pouco de vida e de mundo real aos salões palacianos.