Para uma ação política consequente contra uma conspiração bem urdida, com imensos recursos, estruturada em dezenas de organizações empresariais, cívicas e religiosas – essa que empurrou goela abaixo desse país gigante um governo de reacionários corruptos –, é preciso construir uma frente.
Frentes políticas incorporam objetivos comuns, de natureza concreta, sobre as ruínas de barreiras ideológicas e o esquecimento das mais sofridas mágoas.
A esquerda pensante brasileira, com visão dominantemente individualista, tem dificuldade para entender a natureza dialética das instituições – corporativas, jurídicas ou militares.
A lógica delas pressupõe a ação unitária, coesa, a não evidência dos conflitos que, no entanto, perduram. Decisões contraditórias de tribunais em instância final anulam o Direito e divisões insanáveis entre militares resolvem-se a bala: em qualquer caso, é grande a responsabilidade quando se trata de evitar a anarquia ou a guerra civil.
Não se pode, nesse caso, considerar que o todo inclui todas as partes.
Dito isso, fica evidente que a ação contra o sacrifício da maioria em benefício dos muito poucos, aliados a interesses estrangeiros globais – seja no nível em que for – deve basear-se nos princípios em que se assenta nossa identidade nacional, isto é, o discurso de pensadores que, ao longo do tempo e em diferentes circunstâncias, construíram os estatutos de nosso contrato social.
O golpe de 12 de maio apontou para a substituição do governo, mas seu resultado é a mudança radical das diretrizes do Estado; trata-se de item essencial para as forças que se agruparam para promovê-lo e nele reside seu ponto fraco, da perspectiva dos valores consensualmente estabelecidos pelas forças políticas que, no último século pensaram o futuro da nação brasileira.
Quais eram, até agora tais objetivos nacionais permanentes? A soberania; a defesa da unidade nacional e da paz interna mediante a gestão dos conflitos de classe e a negociação dos contenciosos históricos; relações harmoniosas e integração com os vizinhos da América do Sul e Caribe; incorporação econômica da planície amazônica com a preservação de sua riqueza e conservação das diversidades biológica e étnica; ocupação e exploração dos recursos minerais da Amazônia Azul – a extensa e riquíssima zona de exploração econômica exclusiva do Oceano Atlântico; desenvolvimento de relações com todos os povos e contribuição positiva para a paz mundial.
Resumidamente, é isso.
Ora, pela simples leitura dessa relação dá para ver que tal projeto de nação é incompatível com alguns dos itens propostos pelo governo que resultou do golpe: a entrega do pré-sal às multinacionais do petróleo; a atitude ambígua quanto à Amazônia; a desnacionalização da economia; a aliança automática com os Estados Unidos e seus sócios europeus; a parcialidade na gestão, a intolerância e o aguçamento dos conflitos internos de toda natureza; a quebra da laicidade do estado; a hostilidade com relação a países vizinhos e alianças regionais; a ampliação do poder dos cartéis econômicos e corporações de ofício – tudo isso agride o conceito de estado nacional sustentado há pelo menos 80 anos, em governos de várias tendências politicas.
Trata-se, pois, de superar divisões dentro de casa para evitar que a ocupem e destruam. Isso é conforme os interesses de todos os povos, como o nosso, para os quais a experiência multiétnica e de convívio religioso representam esperança e estímulo.