São Paulo – O tema do encontro era o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em outubro do ano passado, mas o alvo principal foi o Poder Judiciário e sua postura em relação aos crimes cometidos durante a ditadura. "Não se trata apenas de acusar o Executivo, o Legislativo, os políticos. Trata-se de acusar o Judiciário de cúmplice de crimes contra a humanidade", afirmou o jurista Fábio Konder Comparato, durante audiência pública promovida hoje (3) pela Comissão da Memória e Verdade da prefeitura de São Paulo. A referência era ao julgamento da Lei da Anistia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, cuja contestação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) até hoje não foi apreciada.
Seis anos atrás, por sete votos a dois, o STF manifestou-se contra a revisão da Lei da Anistia, de 1979, rejeitando pedido da OAB. A Ordem apresentou embargos contestando a decisão, mas os recursos não foram julgados. "Esses crimes (envolvendo desaparecidos políticos) são permanentes, até que se encontre o desaparecido", diz Comparato. Segundo ele, no dia do julgamento, em abril de 2010, um dos ministros do Supremo o chamou à parte para dizer que, na véspera, todos os magistrados haviam jantado com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma autoridade militar e recebido pedidos para votar contra a ação da OAB.
Ustra é acusado da morte de aproximadamente 60 pessoas no DOI-Codi paulista, durante a ditadura. Procuradores da República tentaram abrir processo contra o coronel, mas nesse e em outros casos juízes federais rejeitaram as denúncias alegando a existência da Lei da Anistia.
"Temos de levantar uma espécie de juízo popular sobre a irresponsabilidade de vários de nossos magistrados, a começar dos ministros do Supremo Tribunal Federal", afirmou Comparato, advogado de famílias de vítimas da ditadura, criticando decisões do Judiciário envolvendo o tema. Ele relatou ainda decisão do desembargador Salles Rossi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, como relator de uma apelação contra sentença condenatória, desconsiderou o princípio de que a responsabilidade civil é independente da criminal e suspendeu o processo novamente invocando a Lei da Anistia.
"Ou o desembargador não concluiu o curso de Direito, ou fraudou a entrada na magistratura, ou Sua Excelência ignora que a responsabilidade civil é independente da criminal. E até hoje isso permanece", criticou Comparato. O caso em questão refere-se ao militante Luiz Merlino, morto em 1971 sob tortura no DOI-Codi, na época comandado por Ustra. Uma decisão de primeira instância, de 2012, da juíza Claudia de Lima Menge, condenou o militar a pagar uma indenização por danos morais a familiares de Merlino, mas a defesa recorreu ao TJ, que julgou a apelação apenas três anos depois.
O jurista também falou sobre ação de 2010, no STF, visando à regulamentação de artigo (220) da Constituição que proíbe monopólio e oligopólio no setor de comunicação. "Ainda aí, o Judiciário tem cometido pecados mortais", comentou. Em 2013, a Procuradoria-Geral da República deu parecer favorável à ação, que no entanto não avançou. Comparato lembra que chegou a ter uma reunião cordial com a relatora, ministra Rosa Weber. "Até hoje, ela não pôs em julgamento."
No caso dos artigos 220 e 221 (que trata das finalidades da programação de rádio e TV), o jurista critica também o Parlamento. "Passado um quarto de século da dita Constituição cidadã, o Congresso Nacional ainda não encontrou tempo para votar uma lei regulamentadora", lamentou.
Segundo ele, também foram inúteis as tentativas de contestar a demora do STF em julgar a contestação sobre sua decisão quanto à Lei da Anistia. "Não há nenhuma autoridade capaz de obrigar um ministro do Supremo a cumprir o seu dever. O Supremo Tribunal Federal não está sujeito a nenhum controle. Agora, resta a Corte Interamericana (de Direitos Humanos)."