Marqueteiro de Dilma e Lula, João Santana afirmou a Sergio Moro que caixa 2 existe sim, mas como "prática generalizada" no Brasil e no mundo, fruto da "distorção" do sistema eleitoral. Ele não admitiu antes a fraude na campanha de 2010 para não alavancar o impeachment de Dilma. E mandou uma indireta: não existe "projeto de poder" do PT
O depoimento do marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas de Lula (2006) e Dilma Rousseff (2010 e 2014), põe em xeque o alcance e a imparcialidade da Lava Jato. Até agora, a operação tem gastado energia para provar que o esquema de corrupção na Petrobras tinha como finalidade injetar recursos no caixa do PT e, assim, perpetuar o "projeto de poder" da legenda (parafraseando o ministro Gilmar Mendes). Mas o que Santana disse ao juiz federal Sergio Moro tem potencial para deflagrar uma devassa em "98% das campanhas" no Brasil, sem distinção entre partidos, pois denota que o esquema é repetido pelas empresas doadoras em todas as instâncias do poder.
No depoimento divulgado nesta quinta (20), Santana confrontou Moro sobre a tese da Lava Jato, de que todo o dinheiro pago por fora em campahas eleitorais é fruto de corrupção entre empreiteiras e o governo federal. “Eu tinha consciência de prática de recebimento ilegal [por ser caixa2]. Mas dinheiro sujo no sentido de corrupção, até onde alcançava meu conhecimento, não, não é necessariamente ligado a fatos de corrupção. Conversando com profissionais de eleições no mundo, sabe-se que caixa 2 decorre de aposta no mercado pro futuro, de [empresas querendo] fazer amizade com os governos. Existem tetos [para as doações]. Eu não percebo como dinheiro sujo. Vejo mais como dinheiro de negociação política”, disse Santana. Ao que Moro respondeu: “É dinheiro de corrupção mesmo", bom base no depoimento do do operador do repasse.
No interrogatório, Moro questionou Santana sobre a existência de uma offshore atrelada a uma conta do marqueteiro num banco suíço, aberta desde 1998 e regularizada recentemente. Foi através dessa conta que o engenheiro Zwi Scornicki depositou o total de 4,5 milhões de dólares, a pedido do ex-tesoureiro João Vaccari neto, referentes a dívidas da campanha presidencial do PT em 2010.
Com passagem pela Petrobras, Odebrecht e dono de consultoria própria na área de petróleo e gás, Zwi representava desde a década de 1990 a empresa de engenharia naval Keppel Fels. Segundo a Lava Jato, foi essa companhia que efetuou o depósito em várias parcelas na conta de Santana.
"Eu vim saber desse depósito só depois. A dívida [com o PT] já durava três anos. É típico da área de marketing político sofrer grandes atrasos. Mas não poderíamos fazer outra campanha [a de 2014] sem receber essa dívida. E o partido sugeriu procurar o senhor Zwi. Mônica [Moura, esposa e sócia de Santana] contou para mim. Ela tinha conhecimento muito superficial sobre a empresa estrangeira”, disse.
De acordo com o marqueteiro, o pagamento ocorreu "por fora" dos registros da Justiça Eleitoral porque é "comum" que partidos políticos não declararem todas as doações recebidos. Isso ocorre, segundo ele, por vários razões. Entre elas, para não extrapolar o limite imposto para os gastos da campanha, e para "evitar especulação, um leilão entre doadores sobre quem está dando mais, quem está dando menos."
Cultura generalizada
Santana reforçou que existe uma "cultura generalizada de caixa 2". "A relação dos empreiteiros com partidos e governos sempre foi, na política brasileira e mundial, de buscar caminhos extralegais, porque os preços são altos e eles não querem estabelecer relações explícitas com os doadores de campanha.”
Em outro momento, Santana disse que “havia dificuldades alegadas [por parte do PT] de recolhimento de doações", mas que a "única coisa que pude perceber em todas as campanhas até o momento (...) é que não era uma operação organizada. Era uma busca de doação eleitoral como é feito normalmente em todas as campanhas. É ilegal? É. É deplorável que se faça? É. Mas que é generalizado aqui e no mundo, é. Não é só na América Latina. Na Europa e nos Estados Unidos ainda existem várias formas de disfarce.”
Mas por que um marqueteiro reconhecido mundialmente aceitou uma forma de pagamento reconhecidamente ilegal, perguntou Moro. Porque está é a "prática no mercado", devolveu Santana. “Você vive dentro de uma disputa no ambiente profissional que você termina tendo que ceder. Ou faz a campanha dessa forma, ou vem outro que aceita fazer.”
Num segundo confronto com Moro, Santana voltou a indicar que empresas doam via caixa 2 com verba que não necessariamente foram obtidas a partir de cobrança de propina. No seu caso, imaginou que a empresa pagante não tinha contratos com o poder público, mas estava apoiando a candidatura de Dilma de olho em negócios futuros. Sua esposa, em depoimento a Moro, disse que nas conversas com Vaccari nunca foi debatido a licitude dos recursos, muito menos se era fruto de corrupção na Petrobras. Ela disse que sua única preocupação era estar usando uma conta no exterior não declarada.
Distorção do sistema
Ao final do depoimento, Santana fez um "apelo por justiça" a Moro, alegando que sua reputação tem sido deteriorada na imprensa por conta dos desdobramentos da Lava Jato, pois a interpretação geral é de que ele faz parte da quadrilha que o PT teria montado para vencer eleições com dinheiro desviado da Petrobras.
"O marketing político não cobra propina. Não é a causa de irregularidades eleitorais. Elas são geradas por esse sistema eleitoral distorcido e adulterado. Hoje, com parcimônia, permita-me dizer: 98% das campanhas no Brasil utilizam caixa 2. Campanhas pequenas, médias e grandes. Isso envolve centenas de milhões de pessoas que são ou foram remuneradas com caixa 2. Se tivesse o mesmo rigor que estão tendo comigo, sairia uma fila daqui [Curitiba] e ia bater em Manaus. Não quero me isentar de caixa 2 ou qualquer erro. Nós erramos, mas não somos corruptos nem lavadores de dinheiro", desabafou.
Relações com Dilma
Moro perguntou a Santana por que ele não admitiu o recebimento de dívida do PT via caixa 2 antes. Segundo o marqueteiro, foi por "questões psicológicas, políticas e profissional". Santana disse que jamais imaginou que poderia ser preso. Depois, que não queria “romper, do ponto de vista profissional", cláusulas de confidencialidade que têm com partidos. Além disso, não queria prejudicar Dilma.
“Eu raciocinava comigo: eu que ajudei, de certa maneira, a reeleição dela, não serei a pessoa que vai destruir a presidência e trazer um problema. Nessa época [fevereiro, quando foi preso e alegou que os pagamentos eram por campanhas no exterior] já se iniciava o processo de impeachment, mas não tinha nada aberto. Mas sabia que poderia prejudicar. Era uma pressão muito grande na minha consciência profissional, da minha fidelidade e relação afetiva com pessoas”, disse Santana, que assinou acordo de delação premiada com a Lava Jato.
Recado a Gilmar
Sem mencionar diretamente o ministro do Supremo Tribunal Federal, Santana rebateu, por provocação da defesa de Mônica Moura, a tese de que ele integra o esquema de corrupção do PT para consolidar seu "projeto de poder".
"Acho isso uma coisa pergunta absurda. Eu tinha relação profissional [com Dilma e Lula], já de longo curso, porque durava há oito, dez anos [o trabalho de marketing]. Em relação ao PT, eu era prestador importante de serviços, mas era um corpo estranho dentro do partido. Eu tinha relação com os candidatos, com ninguém mais. Eu não tinha poder para perpetuar um sistema. E não existia um complô de perpetuação do poder onde eu era o elemento chave."
O depoimento de Mônica Moura ao juiz Sergio Moro reforçou tudo que foi dito por Santana em juízo.